Vocês já devem ter visto há alguns dias o banner para o livro "A Trilha" aqui no topo do blog. Gostaria de apresentar esse livro para vocês, fãs de Heroes, pois, bem, foi eu quem o escreveu. Usei o pseudônimo A.V. Seixas para o lançamento. A sinopse da história é essa:
Depois de passar os últimos anos viajando pelo mundo, Alexis Vienna e sua mãe se estabelecem em Londres. Após uma noite de cinema com os amigos, Alexis se vê no lugar mais improvável possível: A Floresta Amazônica.
Sua memória sobre os últimos 6 meses está perdida. Desaparecimentos e mortes inexplicáveis cercam o mistério por trás de sua nova estada no Brasil, onde ela terá que lidar com a outra parte de sua família e com os fantasmas de seu passado.
O que Heroes tem a ver com essa série? Diretamente nada, mas Heroes, assim como outras tantas séries, filmes e livros que eu consumi, acabou influenciando meu trabalho. Eu comecei a desenvolver essa saga, em formato de série, há uns 8 anos pelo menos. O que é mais ou menos o tempo que esse blog está no ar. A protagonista da saga, Alexis, é uma adolescente de 16 anos, e apesar da história começar em Londres, ela se desenvolverá no Brasil. O gênero principal da Saga Linear é o mistério, mas também tem aventura, romance e um toque de ficção científica. É voltado para o público jovem adulto.
Se você está curioso para ler essa história tenho uma boa notícia: o livro está disponível integralmente de forma gratuita. É um lançamento 100% digital e sem editora. No blog oficial que lancei tem todos os detalhes de como baixar uma cópia para leitura.
O segundo livro da série está sendo escrito agora e tem previsão de lançamento para o final de 2015. Ainda não há um número certo de livros para encerrar a saga, mas haverá pelo menos 3.
Deixei logo depois do pulo os 4 primeiros capítulos para vocês terem um gostinho do que "A Trilha" reserva para vocês.
Capítulo 1 – Despertar
Já fazia 6 meses que cumpria
aquele ritual. Parava à porta do cinema e enchia meus pulmões com aquele cheiro
que trazia à tona todas as lembranças que tive embaladas por ele. Exalava o ar
e repetia o mesmo procedimento mais uma vez. Quem me iniciou naquilo foi Vicki,
me lembro como hoje as palavras dela.
– Está sentido esse cheiro? – ela
me perguntou na entrada de um antigo cinema londrino no bairro de Notting Hill.
– Pipoca? – sugeri.
– Não. Preste atenção. Pipoca,
balas. Vem aqui – e ela me levou até a beira do balcão de guloseimas. Olhei
para Jonathan, que parecia um garoto de 5 anos com seu olhar refletindo as
luzes ao redor dos cartazes. –
Refrigerantes, chocolate e... Pipoca. Sentiu tudo isso?
– Acho que sim – eu disse. Na
verdade tudo tinha um cheiro doce que não parecia diferir de mais nada.
– Sabe que cheiro é esse, Alexis?
– e se fosse possível, ela estava ainda mais empolgada.
– Você não acabou de dizer? – respondi.
– Cinema! Isso é cheiro de cinema!
Você jamais vai se esquecer dele – os olhos dela brilhavam como se falasse da
oitava maravilha do mundo.
E eventualmente eu comecei a notar
as nuances do cheiro. Conforme os passeios ao cinema foram acontecendo, consegui
perceber o chocolate, as balas e até os cachorros quentes. Ainda não entendo
como aquele ato simples, quase infantil, pôde ter se tornado tão mágico.
Hoje, após concluir o ritual de
apreciação, vamos até a bilheteria e compramos ingressos para ver o filme do vigilante
mascarado. Jonathan é o mais animado de nós três para ver o filme, já que seria
o retorno de seu personagem predileto às telas do cinema.
– Faz décadas que espero uma
versão decente desse filme – ele já disse isso umas 10 vezes desde que
anunciaram o novo filme. Nessa noite já falou duas vezes. – Espero que esse
novo ator não me decepcione, faz muito tempo que espero uma atuação descente.
– Você era praticamente um bebê
quando esses filmes foram lançados, Nathan – resmunga Vicki. – Você viu o
primeiro filme do vigilante com uns 10 anos, não está esperando há tanto tempo
assim.
– Eu estou esperando há uma semana
– observo. Eles me fizeram assistir a todos os filmes do tal super herói em um
só dia. – Não foi uma maratona fácil.
– Isso é o que acontece quando se
passa a maior parte da vida nas cavernas, Alexis – satiriza Vicki.
A piada sobre as cavernas nunca
envelhecia. Tudo começou quando eu disse a Jonathan, em seu primeiro dia de
aula na Hurbridge Brown School, que o último filme que assisti no cinema foi A Múmia, em 1999.
– Onde você estava vivendo, garota,
nas cavernas? – ele me perguntou de forma sarcástica.
– De certa forma – respondi séria.
O olhar dele assumiu um tom tão preocupante que me dei conta de que o sarcasmo
não foi por maldade.
Jonathan pensou que eu pudesse ter
sido uma vítima de algum longo sequestro, ou algo do gênero. A verdade era que
eu passava a maior parte do tempo acompanhando minha mãe em seu trabalho como
arqueóloga, o que incluía muitas viagens e poucas oportunidades para assistir
filmes ou ver TV.
Depois de tudo explicado, eu e
Jonathan nos tornamos grandes amigos. Ele também era um novato em nossa escola,
mas acabou ficando mais próximo de Vicki por causa da paixão pelo cinema que
eles compartilhavam. Juntos eles se incumbiram da missão de me apresentar ao
mundo do audiovisual e me tirar de vez da “caverna”. Quase toda semana íamos ao
cinema, não sem antes assistir diversos filmes em casa, como referência ao que
íamos ver naquela semana.
– Preciso de algo mais realista,
nesse último mês só assistimos a filmes de ficção científica – comento enquanto
estamos na fila.
– Como você chama o filme do
vigilante de ficção científica? – diz Jonathan indignado. – Ele é um ser humano
normal, o poder dele vem do dinheiro.
– O poder dele vem de invenções
que não existem, – diz Vicki – logo é ficção científica sim, seu bobo.
– Eu me recuso a aceitar isso,
meninas. Ele é o único herói realista dos filmes de super heróis. E no trailer
desse filme já vimos que a história está mais realista do que nunca.
– Realista não significa real –
diz Vicki – pode apostar que algo vai acontecer nesse filme que não é real.
– Nenhum filme é real, Vicki – diz
Jonathan irritado. – Mesmo os filmes de ação mais exagerados podem não ser
considerados uma ficção científica. Existe uma grande diferença entre inventar
algo totalmente fora da nossa realidade e apenas forçar as barreiras do
possível.
– Eu não deveria ter começado essa
discussão – digo para acabar com o debate – daqui a pouco vamos esquecer o real
motivo de termos vindo aqui.
– Viemos assistir o Vigilante –
diz Vicki como se falasse de algo tão óbvio – esse é o motivo.
– Não – eu corrijo – viemos aqui
para nos divertir.
Ao final da sessão saímos da sala
falando mais do que nunca sobre nossas impressões do filme. Quem olha de fora
provavelmente não entende nada do que falamos. Já estamos acostumados ao nosso
próprio jeito caótico de expormos nossas ideias. Jonathan gosta de analisar a
atuação dos atores. Vicki tenta definir as intenções do diretor. E eu sempre
penso em alguma teoria conspiratória da trama. Eu sou o tipo de pessoa chata
que fica tentando adivinhar o que vai acontecer na cena seguinte e adora dizer
“eu disse que ele ia fazer isso, eu sabia!”
Nossas noites de cinema terminam
em alguma cafeteria depois de horas de discussão sobre o filme. Esta noite,
antes de dormir, fiquei algum tempo pensando em como minha vida havia mudado
nos últimos 6 meses, de como eu finalmente sentia que pertencia a algum lugar.
***
Sinto que esta é mais uma daquelas
manhãs em que eu quero apenas mais 5 minutos de sono. Só mais 5 minutos serão
suficientes. O sono é daqueles tão profundos que eu ainda não sei se já acordei
ou não. Eu consigo ver claramente o radio relógio marcando 6 horas, eu
apertando o botão do alarme, me levantando e indo ao banheiro. Logo em seguida
me dou conta que ainda estou deitada. Não consigo abrir os olhos. Eu devo ter
dormido pouco. A que horas cheguei ontem mesmo? Já não me lembro.
Aos poucos consigo mexer meu
corpo, é então que eu sinto como ele está dolorido, mas essa não é a pior
parte. Percebo que não estou em cima da minha cama, e sim num chão duro e
arenoso. Chego a conclusão de que ainda estou em algum estado de
semiconsciência, presa num sonho que parece muito real, assim como a minha
rotina de desligar o rádio relógio e ir ao banheiro. Mas a dor me diz o
contrário.
Me esforço para abrir os olhos,
minhas pálpebras estão muito pesadas. Um barulho incomum me faz estremecer e
afastar de vez as suspeitas de sonho. O pio alto e agudo de um pássaro. Não é de
um pássaro qualquer. Não vem de algum corvo que volta e meia sobrevoa a janela
do meu quarto, ou tão pouco se parece com o chiado de uma pomba urbana. É um
apito fino e repetitivo. O segundo chiar parece o reverso do primeiro. Há
apenas um lugar no mundo onde eu havia ouvido aquele pio. E já faz muitos anos
que não o ouvia novamente.
Venço a luta contra minhas
pálpebras pesadas e finalmente abro os olhos. Uma luz forte ofusca minha visão.
É a luz do dia, filtrada pela sombra de árvores altas. Aos poucos a imagem de
uma floresta se revela diante de mim. Respiro fundo e movo o resto do meu
corpo. A dor agora se torna mais intensa, principalmente em meu tornozelo
esquerdo. Estou de bruços e me esforço para virar o tronco pra cima. À minha
direita uma grande clareira se abre, e mais adiante há uma trilha.
Com alguma dificuldade me coloco
de pé. Meus braços, pernas e pescoço doem como nunca. Olho ao meu redor em
busca de alguma explicação, de algum sinal. Não há ninguém. Percebo que minhas
roupas estão cobertas por uma camada fina de terra. As roupas que visto não me
são familiares. Uma calça verde militar e uma camiseta regata branca. As botas
eu conheço bem, são próprias para um lugar como esse. Já as havia usado
incontáveis vezes. O pio daquele pássaro vem me assaltar de novo. Eu tinha nove
anos de idade quando o ouvi pela primeira vez, e ouvi tantas vezes naquela
ocasião que marcou profundamente o que aconteceu naquela viagem. A ave era uma
guarda–várzea que vive exclusivamente na floresta amazônica.
Capítulo 2 – Floresta
O sol está em seu ponto alto, o
calor é insuportável. A trilha hora mais aberta, hora mais fechada, me
angustia. Meu estômago já está se revirando pedindo comida. Depois de alguns
minutos a sede vem me apertar. Não consigo entender o que está acontecendo. Ando sem saber de onde venho, para onde vou. A
única coisa que parece fazer sentido é continuar a andar.
Ouço o barulho de um galho se
estalando há alguns metros atrás de mim. Paro de andar no exato segundo
seguinte, esperando algum novo barulho. Nada. Volto a andar, mas a sensação de
estar sendo seguida me assalta a todo momento. Outros barulhos da floresta só
fazem minha paranóia aumentar. Não vejo nada que possa confirmar minhas
suspeitas. É como se eu estivesse presa num filme de suspense que começou sem
eu saber.
Depois de muito tempo andando sem
parar, me sento numa pedra cheia de musgo. Meu estômago volta a roncar, mas eu
não tenho vontade de comer. Eu só quero sair desse pesadelo. Quero voltar pra
minha casa, para minha família, meus amigos. Ouço um riso. É tão rápido que não
tenho certeza se ouvi mesmo. De novo, mais perto agora. É o riso de uma criança.
Me levanto e tento seguir o som. Agora caminho devagar, medindo cada passo,
parando a cada som novo. Um burburinho de vozes. Folhas remexidas. Mais risos
de crianças. A trilha se torna mais aberta. A mata que me sufocava agora recebe
novas formas. Formas familiares e amigáveis.
Capítulo 3 – História
Verão brasileiro de 1998. Era a
primeira vez que eu me aventurava na floresta amazônica. Na época, minha mãe
era uma antropóloga em início de carreira. Por causa das viagens que ela fazia
a trabalho, eu também estava sempre na estrada a acompanhando em suas
aventuras. Era assim pelo menos que encarava aquelas viagens, como uma grande
aventura.
Meu pai, por outro lado, era um
pouco mais conservador. Não gostava que eu ficasse tanto tempo envolvida com o
trabalho de minha mãe e chegou a me proibir de acompanhá-la exatamente quando
ela foi trabalhar na Amazônia. Foi o único período em que mais fiquei afastada
dela, sendo obrigada a estudar numa escola particular em São Paulo, onde ficava
nossa casa. Foi uma das piores épocas da minha vida. E um dos motivos por eu
ter aversão à vida rotineira que mais tarde foi necessária.
Meu pai é o herdeiro de uma das
maiores construtoras do Brasil, a Forte Vienna. A empresa vale alguns bilhões
de reais, o que sempre fez com que ele e toda a família andasse em carros
blindados, cercados de seguranças. Eu nunca me acostumei a andar acompanhada
por estranhos o tempo todo. E isso só piorou minha vida escolar no Brasil. Eu
nunca me sentia realmente livre.
Quando estava viajando sempre era
educada por minha mãe, ou algum amigo de sua equipe de antropólogos e arqueólogos.
Eram pessoas com um nível de educação tão alto quanto o de qualquer professor
escolar. E quando a gente ficava muito tempo em algum lugar, além desse
acompanhamento especial, eu também era matriculada em uma escola pública local.
O idioma algumas vezes era um problema, mas no final de alguns meses eu já
sabia falar bastante coisa.
No Brasil eu estudei na Emílio
Campos, considerada uma das escolas mais tradicionais de São Paulo. O fato de pertencer
a uma família tão poderosa afastava a maioria das crianças de mim. Não sei se
era por algum tipo de intimidação pelo nosso nome ou reputação. Somos
conhecidos por ser uma família que vive numa redoma de vidro, longe de outras
pessoas ricas e até mesmo das colunas sociais.
Eu nasci no Brasil e cresci
aprendendo tanto o português quanto o inglês. Durante a minha vida acabei
usando o inglês mais do que o português, então pra mim é natural falar o inglês
britânico. É a língua também mais usada durante as expedições, já que a equipe
que minha mãe fazia parte era formada por pessoas do mundo todo. E juntando as
línguas que fui aprendendo por onde passei, acabei me tornando uma espécie de
poliglota. Isso me ajudou nas aulas, sempre tirei notas boas por minha
facilidade em aprender coisas novas. Acho que a grande responsável por isso é a
minha memória. Dificilmente eu esqueço alguma coisa.
Apesar de não ser popular na
escola eu acabei tendo um grande amigo que valeu por todos os que eu não tive.
Davi Carneiro era a exceção que me mantinha sã. Um garoto com um coração de
ouro, e uma estranha forma de ver o mundo. No primeiro dia de aula, depois de
eu já ter recebido olhares estranhos nas primeiras horas do dia, Davi foi o único
que sentou na minha mesa na hora do recreio. Ele simplesmente chegou e se
sentou ao meu lado, como se aquilo fosse algo que fazia todos os dias. Ele
carregava um boneco branco de um super herói e uma carteira de couro marrom. E
perguntou “O que você acha do meu boneco, não é legal?”. Não lembro o que
respondi a ele, somente que ele me deu o seu boneco e algumas canetinhas para
que eu o deixasse do jeito que quisesse. E a partir daquele dia, Davi se tornou
meu melhor amigo naqueles amargos nove meses.
A pior parte foi ter visto que o
crescente distanciamento dos meus pais resultou em sua separação definitiva.
Nos poucos dias que vi minha mãe, notava o quanto ela estava triste. Ela não
queria falar no assunto, se focava no seu trabalho com a tribo e em me
perguntar se eu estava bem e como era minha vida na escola. Menti para não deixá-la
pior, falando apenas das coisas boas. E me mostrava interessada nos estudos
sobre a tribo, assim conseguíamos manter alguns bons momentos numa época que
não estava sendo fácil pra nenhuma de nós duas. Os Maracati foram nosso oásis
de tranquilidade. Aproveitei a oportunidade para aprender um pouco o idioma da
tribo. O que poderia ser muito útil pra mim agora que estou dentro da aldeia
deles.
Capítulo 4 – Contato
Sete anos após meu primeiro
contato com os Maracati, havia muitas palavras que eu já tinha esquecido.
Qualquer língua pouco praticada acaba ficando enferrujada. Apesar da minha
ótima memória, alguns esquecimentos eram naturais, principalmente em momentos
de tensão. Nesse momento em que eu estou diante da tribo Maracati, porém, tudo
o que eu aprendi veio à tona. Ao contrário das minhas lembranças do dia
anterior.
– Quem é você? – me pergunta uma
mulher que se aproxima de mim.
– Meu nome é Alexis – respondo no
idioma Maracati – estou perdida, preciso de ajuda.
Ela faz um gesto para que a
acompanhe e eu a sigo. Aquela era exatamente a mesma tribo que eu tinha
visitado sete anos atrás. Pouco havia mudado. O lugar é formado por uma grande
clareira em forma de um círculo, com várias ocas pequenas em seu entorno. Duas
grandes ocas se erguem no centro desse grande círculo e é para uma delas que a
mulher me leva.
Com 15 anos agora, tenho um pouco
mais de experiência de vida na bagagem, algumas novas línguas aprendidas, mas
nenhuma ideia de como vim parar nesse lugar. Até onde eu sei, tinha acabado de
voltar de uma sessão de cinema em Londres.
Sou recebida pelo pajé da tribo,
que me observa por alguns segundos antes de me dar as boas-vindas. Ele diz que
vai chamar alguém que possa falar a minha língua, assim eu posso me comunicar
melhor. Enquanto isso, um outro grupo me traz água e comida. Uma tímida jovem,
que deve ter a minha idade, vem ao meu encontro. Diferente da maioria de sua
tribo, ela usa roupas de "homem branco".
– Tudo bem? – ela me pergunta em
português.
– Melhor agora que estou aqui –
respondo. – Estou perdida na mata, não sei como cheguei até aqui, eu vim
andando, estava ao norte da aldeia.
– Não sabe como chegou aqui?
– Não, eu acordei no meio da mata
e vim andando há um bom tempo. Sei que isso vai parecer estranho, mas eu não me
lembro de ter vindo para a Amazônia. Eu já estive aqui há muitos anos, mas...
– Tudo bem. Meu nome é Jacira, não
precisa explicar sua história agora. Você não parece estar muito bem... Alexis.
É assim que se fala seu nome?
– Sim. Meu nome é Alexandra. Mas
prefiro que me chamem de Alexis.
– Tudo bem, Alexis. Fique tranquila,
porque vamos te ajudar.
Passo os próximos minutos
conversando com Jacira. Ela é uma das poucas pessoas da tribo que estuda fora
da aldeia, através de um programa de intercâmbio entre os Maracati e uma ONG. O
projeto começou exatamente na época em que vim com minha mãe pra cá pela
primeira vez.
A boa notícia é que há um telefone
no posto de saúde da região, onde eu posso ligar para qualquer lugar do Brasil.
A má, é que apenas no dia seguinte poderemos ir até lá, já que a viagem será
por trilhas a pé e de barco, e estamos a poucas horas do anoitecer.
Mais tarde descubro que Jacira
conheceu minha mãe na época dos primeiros contatos. "Uma mulher alta,
loira de olhos verdes como o rio", é assim que Jacira a descreve e logo eu
sei que se trata dela. Ela é uma mulher muito bonita que sempre chama a atenção
das pessoas por onde passa. Aqui não foi diferente. Minha mãe e sua pequena
equipe na época viajavam junto a uma ONG que pretendia trazer melhorias para os
povos indígenas brasileiros. Eles se chamam "Povos Cidadãos".
Jacira me mostra um caderno de
folhas amareladas em que havia escrito suas primeiras palavras aprendidas na
escola montada pela ONG. Ela fica um pouco sem graça dizendo que é apenas coisa
de criança, mas que por algum motivo gosta de guardar aquilo com muito cuidado.
Nas primeiras páginas ela anotou os nomes e alguns dados das pessoas que
conheceu. Tem até um desenho da pessoa ao lado de cada nome. Alguns têm a
assinatura da própria pessoa que Jacira registrou.
Christine Madison Vienna, 27 anos.
A assinatura é dela, sem dúvida.
Passando por mais algumas páginas encontro meu próprio nome.
Alexis Vienna, 9 anos.
Não posso deixar de sorrir para
aquele desenho de uma menina de "cabelos amarelos como o sol" e
espichados, como consta na descrição. Jacira me pergunta o que aconteceu com
meu cabelo. É que eles já não estão mais dourados como antes.
– Meu cabelo ainda é loiro, ou quase isso. É que eu
fiquei um pouco enjoada e mudei para preto. O que você acha? – pergunto ao ver seus olhos se
estreitando enquanto olham minha cabeça.
– Gosto deles agora também – ela
diz.
Rio com a lembrança de meus
cabelos quando criança. Já fazia algum tempo que havia mudado a cor e estava
acostumada com ela.
Jacira ri nervosamente e começo a
notar algo de estranho em seu comportamento. Percebendo minha atenção à ela,
Jacira pega novamente seu caderno.
– Qual a sua idade? – ela me
pergunta enquanto folheia as páginas.
– Tenho 15 anos agora. Vai
atualizar suas anotações?
– Sim. Você pode assinar pra mim?
A sua assinatura é a única que eu não tenho – ela me estende o caderno.
– Tudo bem – eu digo e pego o
caderno. Após assinar decido questioná-la.
– O que foi Jacira? – falo da
forma mais calma possível.
Ela hesita por alguns instantes
com minha pergunta.
– Você está bem mesmo? – ela me
pergunta de volta com um olhar sério.
– Não estou totalmente bem, mas
vou sobreviver. Por que você está me perguntando isso agora? Você sabe porque
eu estou aqui?
– É que aconteceu alguma coisa. Eu
não sei o que foi, você deve saber mais.
– Mais o quê? – pergunto em pânico.
– Você... seus amigos – ela diz
ainda mais nervosa sem conseguir formular uma pergunta concreta.
– O que aconteceu, Jacira? – tento
transparecer calma novamente, mas é impossível.
– Vocês estavam acampados, como
daquela outra vez – ela diz. – Mas não por aqui, num lugar bem longe.
– “Vocês” quem?
– Você, sua mãe e aqueles outros
cientistas.
– Os mesmos que vieram da outra
vez aqui?
– Alguns sim. Não todos. Vocês
estavam estudando alguma coisa.
– E onde eles estão? Eu devo ter
me perdido deles...
– Não. Quer dizer, eu não sei.
Ninguém achava que você estava perdida.
– Como assim? Se eu estava aqui
com eles, eu devo ter me perdido – parece fazer sentido eu estar aqui com minha
mãe e a equipe dela. É a única explicação mais lógica para meu aparecimento
repentino nessa floresta. Talvez eu tenha me perdido e algo fez com que eu
perdesse a memória. Tudo o que eu preciso agora é encontrar alguma lógica nessa
situação tão estranha.
– Eles achavam... que você estava
morta – ela espera alguma reação minha, a morta.
– Morta?! Por quê?
– Porque você sumiu... e todos
eles, bom, quase todos eles.... morreram.
O chão some debaixo de meus pés. O
barulho da mata já não existe mais. Uma dor invade meu peito e meu coração bate
pesadamente.
– Quem? – consigo balbuciar. –
Quem morreu?
– A maioria. Faz uns sete dias.
– Minha mãe?
– Ela sumiu como você, mas eles
também acham que ela morreu. Encontraram suas pegadas em direção ao rio. Vocês
sumiram no meio do rio, todos pensaram que estavam mortas.
Um pequeno alívio invade meu
peito. Se minha mãe sumiu como eu, então ela também deve estar viva. Há uma
esperança. Não consigo prosseguir com a conversa. Jacira ainda menciona que a
notícia está em todos os jornais que ela viu na cidade, é o assunto mais
comentado da região. E assim que eu pudesse sair de lá poderia saber melhor o
que aconteceu. Uma dor leve de cabeça surge e começa a invadir meus
pensamentos. O pequeno alívio desaparece.
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