Retorno de Heroes: Conteúdo e Formato

Já falamos da questão estratégica, agora vamos à questão criativa: o conteúdo e impacto do formato da nova temporada. E para abordar isso, vamos rever um dos conceitos de Tim Kring para o formato da série.


O formato de mini-série

Em 19 de fevereiro de 2010, publicamos um artigo com base em uma entrevista que Tim Kring deu ao site AV Club. Num dos trechos desse artigo, está a seguinte afirmação:

Tim disse que a emissora o impede de fazer certas coisas como ele queria. Uma delas seria encurtar a temporada para no máximo 13 episódios. Para ele, seria muito mais fácil trabalhar com esse número. Outro problema foi a ideia inicial de mudar todo o elenco após a primeira temporada. A emissora não deixou, pois os fãs já estavam apegados a aqueles personagens. 

"A outra coisa é que teria começado tudo novamente com outros personagens. A premissa é de que isto está acontecendo a pessoas em todo o mundo, e a ideia de ver novas pessoas explorando isso era realmente fascinante pra mim. Mais assim que os fãs se apaixonaram com certos personagem, fica difícil fazer isso."

Ou seja, a ideia inicial era que Heroes seria uma mini-série de 13 episódios, que se renovada voltaria com novas história de novos personagens. Na época não havia nada do gênero que fizesse sucesso nesse formato para servir como exemplo para a NBC. Hoje em dia temos a excelente American Horror Story, que não apenas ressuscitou o gênero de horror para a TV, como provou que não é necessário contar sempre com os mesmos personagens para se ter uma boa história. A série usa uma base de atores fixos e outros convidados (como nosso conhecido Zachary Quinto, o Sylar) que interpretam personagens diferentes, nas mais diversas ambientações que o terror pode trazer. Funciona muito bem há três temporadas.

É claro que em Heroes isso não poderia ser feito exatamente como em AHS. Como a histórias de Heroes se passa em um mesmo universo, não seria possível usar os mesmo atores para personagens diferentes. Isso poderia confundir o público.

Nesse mesmo artigo de 2010 está destrinchado os motivos pelos quais a série veio caindo em seu desempenho. Tim estava preparado para lidar com algo mais contido e controlado. O formato que ele pensou inicialmente seria algo mais aceito na TV a cabo, onde a maioria das séries originais tem temporadas curtas. Na TV aberta é raro esse tipo de demanda. O problema foi que essa adaptação não foi adequada e o criador da série nunca conseguiu seguir o ritmo da TV aberta.

Originalmente a primeira temporada se encerraria com a morte de Sylar, fechando todo o ciclo de "Salve a Líder de Torcida, Salve o Mundo". O que faria todo o sentido do mundo. Não para a NBC.

O que provavelmente aconteceu nessa nova negociação com a NBC, é que Kring levou adiante sua primeira proposta de uma mini-série, algo que funcionou no início de Heroes e que, se respeitado desde o começo, poderia ter evitado a queda de qualidade da série. Não sabemos ao certo se isso realmente aconteceria, mas essa nova tentativa vai mostrar de vez se o novo formato será melhor ou não para a própria história.

Apesar da NBC anunciar apenas esses 13 episódios, uma coisa é certa: se audiência for tão alta quanto eles desejam, esse será apenas o começo do retorno de Heroes para a TV.


Programa de TV: Um produto

Não podemos esquecer algo que sempre ouvi de um professor em minhas aulas sobre o mercado de audiovisual: um programa é um produto. Ele precisa dar lucro, caso contrário, será descartado. As pessoas geralmente reclamam quando uma série termina sem um final adequado, mas muitas vezes a emissora prefere economizar alguns milhares (ou milhões) de dólares, a satisfazer parte de seu público por falta de um encerramento decente. A história de Heroes ficou em aberto, exatamente pela decisão do cancelamento ter vindo tarde demais.

Então essa parte da análise é apenas um lembrete aos fãs sobre a condição da série. Ela é pensada pela emissora apenas em cima do lucro. E visando esse lucro, ou a ameaça de perda dele, é que vem as intervenções com o objetivo de evitar perdas. A indústria de Hollywood em geral é vítima de suas próprias tentativas de obter lucro com fórmulas repetidas. Se sempre deu certo assim, vai continuar dando. Sabemos que na realidade é praticamente imprevisível saber o que vai fazer sucesso. Uma coisa é certa: séries em que o criador tem maior liberdade para trabalhar, são as que mais dão certo.


Nova trama e atores

Como afirmamos na primeira parte dessa análise, a NBC visa recuperar a grande audiência que Heroes um dia já teve. O fato da série poder voltar como uma história independente daquela já exibida no passado, viabiliza esse retorno. Não é toda série que pode fazer isso sem contar com o elenco original (caso raro foi Arrested Development e mais recentemente 24). Talvez Peter Petrelli faça uma aparição (o ator Milo Ventimiglia acaba de entrar para o piloto de uma nova série da ABC), mas Claire, por exemplo, seria mais difícil (Hayden Panettiere atualmente está em Nashville, que está perto do cancelamento), mas não impossível. O ideal seria que pelo menos um dos atores da série original fosse um personagem fixo em Heroes: Reborn.

Outra coisa que seria bem-vinda nessa nova temporada, seria uma desfecho para a temporada passada. Para quem não lembra, em Brave New World, Claire revela ao resto do mundo a existências de pessoas com poderes. Foi um passo importante na série. Aquilo realmente representou um avanço interessante na história, mas nunca vimos o que seria feito dali em diante. Com certeza já havia um "esqueleto" da nova temporada, um guia com todos os pontos importantes para onde a história seguia. Sabemos que não teremos a continuação daquele último episódio, mas podemos ter em algum momento da nova temporada uma menção ao que Claire fez e as repercussões daquele ato tão simbólico.


Conclusões até o momento

O ponto positivo e negativo ao mesmo tempo, com essa nova temporada, é que o criador original da série estará a frente dela. É bom porque ele foi o responsável pela parte boa da série: os personagens, a trama, os mistérios, e tudo o que prendeu a nossa atenção. Mas esse mesmo criador também foi responsável, em boa parte, pelo declínio da série.

Ter Tim Kring a frente de Heroes: Reborn significa que teremos a essência da primeira série, e talvez suas ideias para um futuro que nunca vimos. O final da quarta temporada parecia indicar o começo de algo tão empolgante quanto o começo da série. Mas ter Tim Kring também significa que podemos ter uma história repetida e desgastada. Significa que poderemos ter mudanças imprevisíveis nos personagens e furos inexplicáveis.

No final das contas, acho que devemos dar uma chance ao autor e a essa nova mini-série. Se considerarmos o que ele fez sem a pressão da emissora e dos fãs (por mais que seus comentários sejam infelizes), não há do que reclamar. Não sabemos o que ele pode fazer agora depois desse tempo de distanciamento do caos que ocorreu desde a metade da primeira temporada. Tudo que o ele queria era o formato certo, no tempo certo. E agora ele tem isso.

Nossa primeira série de artigos sobre Reborn termina aqui. Mas continuaremos a analisar possibilidades futuras com base no que aconteceu em Heroes nos quatro anos de vida da série. Acompanhe nossas próximas publicações.